Yasujiru Ozu e Kenji Mizoguchi, ao lado de Akira Kurosawa, são tidos por muitos críticos e cinéfilos como os grandes mestres do cinema moderno japonês. Não à toa, os dois cineastas abrem a versão homenagem do Curta Cinema aos 100 anos de imigração japa. Os filmes escolhidos são raridades do cinema mudo: “Um Garoto Franco” e “A Marcha de Tóquio”, ambos feitos em 1929.
A importância destes curtas começa pelo simples fato de eles serem o que são: realizações iniciais de diretores-referência. No mais, o que há de inestimável no material é o valor de alteridade que possui. Dele, possivelmente, vieram as primeiras imagens vistas pelo Ocidente sobre os modos de vida do Japão da época.

Além da impossibilidade de realização amorosa, Mizoguchi retrata o triste nas diferenças de classe social. É aí a redenção do filme, sua sobrevida, uma vez que se mantém atual ao criticar a desigualdade. A cena síntese é o primeiro encontro de Michiyo com Yoshiki e Sakuma. Eles estão numa quadra de tênis, situada num andar acima de onde a moça está. A bolinha cai. Mesmo de baixo, ela tenta devolvê-la, sendo impedida por uma grade. Simples, belíssima maneira de metaforizar a distância entre os mundos, o contato possível e o impedimento, que resulta na separação derradeira.
“A Marcha de Tóquio” tem outros elementos muito bons. No início do curta, antecipando a ficção que será contada, uma câmera (documental?) passeia pelas ruas da cidade, valorizando o espaço urbano moderno. Lembra alguns filmes europeus de vanguarda dos anos 20, cujo tema era o cotidiano das metrópoles. Sobre os usos da forma por Mizoguchi, se há uma censura que pode ser feita, ela vem do comentário reclamão que escutei na sessão: “Nunca vi um filme mudo tão falado!” Justifica-se. Sendo a história complexa, o diretor tenta explicá-la por meio de diálogos. Como não há som para dar voz aos personagens, as imagens são entrecortadas por um entra e sai de cartelas "conversas".
Como a platéia do Odeon, na qual eu estava, revirou o drama de Mizoguchi em ares de comédia, peço a licença para uma pequena e inocente vingança, pelo diretor. Digo ao espectador anonimamente citado que sim, ele tem razão. Tirando Chaplin e outros poucos, também nunca vi filmes mudos tão falados. Filmes mudos, japoneses, da década de 20, e que ainda falam com a gente de modo tão especial.
(Talita Marçal)
Para quem ainda quiser ver o Foco Japão 1: 5 de novembro, quarta-feira, às 19h na Caixa Cultural 1
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