sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Balada do Vampiro


Fazer um filme baseado em uma adaptação literária sempre traz muitos desafios ao realizador, já que além de todos os deveres que ele precisa cumprir, ainda há uma alguma necessidade de se manter o espírito da obra literária, ainda que esse espírito nada traga da noção de fidelidade à obra original, como essa noção já foi tão problematizada. No entanto, por mais que se queira abandonar a referência à literatura, é comum que ao menos uma fatia de expectativa se crie para a recepção desses filmes. No caso de um escritor que faz de sua obra um terreno para o desenvolvimento de submundos e das facetas marginais do homem, como é o caso de Dalton Trevisan, isso se torna ainda mais complexo, já que a sua obra tem como premissa um desrespeito e uma provocação aos valores e bons comportamentos da sociedade.

Balada do Vampiro prepara um terreno ainda mais propício para essa cobrança que se faz a um filme que se baseia na literatura, pois não apenas se inspira na obra de Trevisan, como acompanha um dos seus mais conhecidos personagens: Nelsinho, o Vampiro de Curitiba. O filme traz a sua referência literária de forma aguda, e mesmo que não se conheça a obra de Trevisan, entende-se o mundo do qual ele parte e do qual alimenta sua escrita. No entanto, a base que estrutura esse vampiro lúgubre, solitário e desejoso, acaba por se manifestar no curta mais como um esboço, com poucas faces e delineações do personagem. Se há uma característica presente nos personagens de Trevisan são as suas múltiplas vozes, violentas ao mesmo tempo que inofensivas, taradas ao mesmo tempo que solitárias. Os diretores Estevan Silveira e Beto Carminatti reconhecem e constroem tal multiplicidade de vozes, mas elas parecem se expressar mais através de uma narrativa desenfreada do que no desenvolvimento do personagem-título. Uma das conseqüências para essa falta de camadas do personagem se reflete na ausência de uma atmosfera sombria, que estão nas palavras de Nelsinho, mas que não se enxergam em sua imagem. Nelsinho deixa um pouco de ser vampiro, esse ser de tantas imagens e impressões, que pertence a um universo soturno e que vê o mundo de uma forma diferente.

Em um texto de José Carlos Brandão, o escritor diz que se permite falar mal de Dalton Trevisan porque ele é o seu escritor predileto. Assim, esse modo de falar mal seria muito mais por uma admiração e amizade. Talvez só assim seja possível se entregar profundamente a personagens que amamos, a escritores que tanto admiramos. Não falta dedicação dos diretores ao seu objeto de filmagem, mas talvez falte esse saudável desrespeito e possibilidade de questionar uma obra tão admirada.

No entanto, há um caminho no qual os diretores conseguem conceder uma certa liberdade ao seu filme. O que falta em Nelsinho e em seu sombrio mundo se manifesta no modo como os diretores filmam as mulheres, e é nesse aspecto que não só eles se aproximam de Trevisan, mas, o que é mais importante, é como eles mais se aproximam do seu personagem, que estava tão distante. É nessa proximidade entre personagem e direção que se constrói parte do que dá legitimidade ao cinema. Em sua maneira de mostrar as mulheres, os diretores as filmam como homens excitados e tarados, como é o personagem que eles acompanham, vampiros de todos os pescoços. Ali eles se deliciam com mulheres das mais variadas formas, em planos que acompanham o seu andar e o movimento do sexo em seus corpos. É no olhar para todas aquelas mulheres que o filme vai adiante e se liberta um pouco de Trevisan, autor que os diretores parecem tanto admirar. Como se a virilidade tivesse tomado conta deles diante daquelas imagens e os impulsionasse. Provavelmente sim, pois aí o filme encontra a maior vitalidade desse solitário vampiro.
Juliana Cardoso

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