O melhor de escrever sobre um filme e praticar o exercício da crítica está dividido em dois diferentes momentos: primeiramente, no tempo e na dificuldade que se coloca entre aquele que escreve e o filme, a partir de uma tentativa de compreender o que está no cerne do seu objeto de análise e, num segundo momento, a possibilidade de confeccionar um olhar sobre a obra e de se deparar com surpresas e indagações no ato da escrita, a partir da prazerosa constatação de como podemos dialogar mais profundamente com um filme quando nos dedicamos a ele. No entanto, a passagem do conhecimento do objeto à sua interpretação não garante que um diálogo se resolva entre a escrita e o filme.
Um ramo, de Juliana Rojas e Marco Dutra, é um filme sobre o qual escrevo sem saber ao certo o que significa para mim. Clarisse encontra um ramo em seu braço. Essa inusitada invasão se alastra pelo seu corpo e a personagem terá que lidar com essa invasão do desconhecido, tanto consigo mesma, o que é inevitável, como através do olhar do outro, personificado no filme por diversos personagens, como o marido, a empregada ou o atendente do supermercado.
Mas o que é esse desconhecido? Algumas pessoas relacionam o filme ao realismo-fantástico. No entanto, o filme parece estar em busca de um outro lugar, entre o mundo real impregnado de imaginação do realismo-fantástico e a realidade crua e direta do cotidiano, como é a apresentação dos diretores para a primeira imagem que o filme traz do ramo, logo após os créditos, uma imagem direta e imediata da vida que toma Clarisse. Se por um lado os diretores sublinham a relação do realismo-fantástico com a vida cotidiana, feita de fatos violentos e sem razão ou sentido minimamente definidos, por outro lado o filme também faz um retrato do desconhecido, não necessariamente ligado a uma doença, mesmo que sem nome, mas a um desconhecido do dia à dia, uma impossibilidade de enquadramento a determinados padrões da sociedade. Os sentidos que o realismo fantástico trouxe para as artes parecem se localizar mais nos elementos distribuídos de forma sutil ao longo do filme do que na personagem ou no filme como um todo, a partir de elementos esparsos, como nas plantas que invadem o aquário, ou o pássaro que entra na casa de Clarisse, anunciando a invasão dos mistérios da natureza em sua vida. Localizar-se nesse lugar entre o desconhecido e a realidade do cotidiano, não sendo nem um nem outro, é o que dá ao filme o seu lugar mais especial.
No entanto, o problema aqui é que, de algum modo, o desconhecido parece se justificar pelo estranho, pelo surreal, por ele mesmo. Nem mesmo os movimentos surrealistas se justificam pelo o que são de inusitados, mas sim a partir de uma evidência do que move aquelas imagens, do que fazem com que elas tenham sido criadas. Mas o que move Juliana Rojas e Marco Dutra? Esse talvez seja um ingrediente da imagem pelo qual sempre nos sentiremos imbuídos a procurar.
Em alguns momentos a relação da personagem com os outros elementos do filme que parece sem lugar, entre a seriedade e o sofrimento que os diretores dão à personagem principal e uma estranheza trágico-cômica dos personagens que estão a sua volta, como os médicos que cuidam de Clarisse ou a inconveniente mulher do supermercado, que a analisa a partir de todos os ângulos. O fora do comum se alastra e parece ganhar variados lugares na narrativa, mas ele também adquire valor nos momentos de interesse dos diretores, localizados na seriedade com a qual retratam Clarisse em contraposição à futilidade ou ignorância que acompanham os outros personagens.
Assim, incomoda esse estranho que pode ser explorado sem limites e sem maiores motivações. Isso também faz com que o corpo de Clarisse venha a ser cada vez mais dilacerado, e penso se esta insatisfação que tenho com o filme responde mais a uma falta de resistência pessoal a essas imagens, ou se realmente há uma exploração do corpo da personagem como forma de chocar o espectador. Também fico entre as duas respostas, mas a ênfase que os diretores dão à violência que recai sobre este corpo parece um pouco gratuito no filme, como se estivesse presente mais por uma força das estranhezas do mundo e dos ramos que tomam Clarisse, do que pelo o que isso pode representar para a personagem. Até quanto um filme vale por sua técnica e pela inovação, estranheza e originalidade de suas imagens? Parece que é isso que me incomoda em Um ramo: a forma como os diretores exploram o corpo deturpado da personagem, a quantidade de gazes, a quantidade de sangue, a quantidade de ramos, que deixam de ser um só, como se a violência dessas imagens fosse necessária e desse conta do que se passa com Clarisse; não dá.
Certamente Um ramo é um curta-metragem que merece todo o destaque na produção contemporânea, mas isso não o torna uma obra isenta de questionamentos. Para além de toda a importância do filme, Um ramo deixa muitas perguntas, o que indica a quantidade de camadas em que o filme constrói sua existência, mas que também é o que introduz o meu incômodo em relação a ele. Por que a personagem que provoca essa estranheza já traz um aspecto frágil, como um terreno previamente preparado para o surgimento dessa estranha natureza? Por que a mãe da aluna que Clarisse encontra no supermercado é uma mulher retratada como fútil e inconveniente e que se veste e se comporta como o oposto dela? Por que os ramos precisam se alastrar pelo corpo da personagem para demonstrar o quanto aquilo a invade e está fora do seu controle? Por que a cicatriz que o atendente do supermercado vê parece estar ali muito mais para que ele a veja do que como uma ferida que a personagem carrega em si e que lhe instaura um medo e inevitabilidade diante do que a vida pode trazer? A ferida é dela. O exagero dessas imagens fazem bem ao filme? Não sei e não saberia responder a todas essas perguntas, que são pontuais e específicas, mas que mais uma vez me tomam diante de Um ramo.
Um ramo, de Juliana Rojas e Marco Dutra, é um filme sobre o qual escrevo sem saber ao certo o que significa para mim. Clarisse encontra um ramo em seu braço. Essa inusitada invasão se alastra pelo seu corpo e a personagem terá que lidar com essa invasão do desconhecido, tanto consigo mesma, o que é inevitável, como através do olhar do outro, personificado no filme por diversos personagens, como o marido, a empregada ou o atendente do supermercado.
Mas o que é esse desconhecido? Algumas pessoas relacionam o filme ao realismo-fantástico. No entanto, o filme parece estar em busca de um outro lugar, entre o mundo real impregnado de imaginação do realismo-fantástico e a realidade crua e direta do cotidiano, como é a apresentação dos diretores para a primeira imagem que o filme traz do ramo, logo após os créditos, uma imagem direta e imediata da vida que toma Clarisse. Se por um lado os diretores sublinham a relação do realismo-fantástico com a vida cotidiana, feita de fatos violentos e sem razão ou sentido minimamente definidos, por outro lado o filme também faz um retrato do desconhecido, não necessariamente ligado a uma doença, mesmo que sem nome, mas a um desconhecido do dia à dia, uma impossibilidade de enquadramento a determinados padrões da sociedade. Os sentidos que o realismo fantástico trouxe para as artes parecem se localizar mais nos elementos distribuídos de forma sutil ao longo do filme do que na personagem ou no filme como um todo, a partir de elementos esparsos, como nas plantas que invadem o aquário, ou o pássaro que entra na casa de Clarisse, anunciando a invasão dos mistérios da natureza em sua vida. Localizar-se nesse lugar entre o desconhecido e a realidade do cotidiano, não sendo nem um nem outro, é o que dá ao filme o seu lugar mais especial.
No entanto, o problema aqui é que, de algum modo, o desconhecido parece se justificar pelo estranho, pelo surreal, por ele mesmo. Nem mesmo os movimentos surrealistas se justificam pelo o que são de inusitados, mas sim a partir de uma evidência do que move aquelas imagens, do que fazem com que elas tenham sido criadas. Mas o que move Juliana Rojas e Marco Dutra? Esse talvez seja um ingrediente da imagem pelo qual sempre nos sentiremos imbuídos a procurar.
Em alguns momentos a relação da personagem com os outros elementos do filme que parece sem lugar, entre a seriedade e o sofrimento que os diretores dão à personagem principal e uma estranheza trágico-cômica dos personagens que estão a sua volta, como os médicos que cuidam de Clarisse ou a inconveniente mulher do supermercado, que a analisa a partir de todos os ângulos. O fora do comum se alastra e parece ganhar variados lugares na narrativa, mas ele também adquire valor nos momentos de interesse dos diretores, localizados na seriedade com a qual retratam Clarisse em contraposição à futilidade ou ignorância que acompanham os outros personagens.
Assim, incomoda esse estranho que pode ser explorado sem limites e sem maiores motivações. Isso também faz com que o corpo de Clarisse venha a ser cada vez mais dilacerado, e penso se esta insatisfação que tenho com o filme responde mais a uma falta de resistência pessoal a essas imagens, ou se realmente há uma exploração do corpo da personagem como forma de chocar o espectador. Também fico entre as duas respostas, mas a ênfase que os diretores dão à violência que recai sobre este corpo parece um pouco gratuito no filme, como se estivesse presente mais por uma força das estranhezas do mundo e dos ramos que tomam Clarisse, do que pelo o que isso pode representar para a personagem. Até quanto um filme vale por sua técnica e pela inovação, estranheza e originalidade de suas imagens? Parece que é isso que me incomoda em Um ramo: a forma como os diretores exploram o corpo deturpado da personagem, a quantidade de gazes, a quantidade de sangue, a quantidade de ramos, que deixam de ser um só, como se a violência dessas imagens fosse necessária e desse conta do que se passa com Clarisse; não dá.
Certamente Um ramo é um curta-metragem que merece todo o destaque na produção contemporânea, mas isso não o torna uma obra isenta de questionamentos. Para além de toda a importância do filme, Um ramo deixa muitas perguntas, o que indica a quantidade de camadas em que o filme constrói sua existência, mas que também é o que introduz o meu incômodo em relação a ele. Por que a personagem que provoca essa estranheza já traz um aspecto frágil, como um terreno previamente preparado para o surgimento dessa estranha natureza? Por que a mãe da aluna que Clarisse encontra no supermercado é uma mulher retratada como fútil e inconveniente e que se veste e se comporta como o oposto dela? Por que os ramos precisam se alastrar pelo corpo da personagem para demonstrar o quanto aquilo a invade e está fora do seu controle? Por que a cicatriz que o atendente do supermercado vê parece estar ali muito mais para que ele a veja do que como uma ferida que a personagem carrega em si e que lhe instaura um medo e inevitabilidade diante do que a vida pode trazer? A ferida é dela. O exagero dessas imagens fazem bem ao filme? Não sei e não saberia responder a todas essas perguntas, que são pontuais e específicas, mas que mais uma vez me tomam diante de Um ramo.
Juliana Cardoso
Ju, você chegou a ler o que escrevi sobre o filme na Moviola?
ResponderExcluirPenso que podemos conversar sobre o filme. Gosto muito dele também. Também?
Não li o que vc escreveu. Aliás, ainda não conheço a "Moviola". Vou dar uma olhada no site. Parabéns pela iniciativa! Adoraria conversar sobre o filme. Beijos, Juliana
ResponderExcluireu tb! casalmedo@yahoo.com.br (Marco)
ResponderExcluirOi! Acabei de assistir ao curta "Um ramo" e procurando por uma crítica, achei sua excelente exposição. Parabéns!
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