sábado, 3 de novembro de 2007

A Curva


O advento do vídeo no processo de desenvolvimento de câmeras caseiras aumentou a popularidade desses equipamentos na mesma proporção em que re-colocou uma questão: o que fazer com essa possibilidade de concepção da imagem tão acessível? De que serve, no final das contas, registrar o real? Nem todos os que possuem equipamentos deste tipo desejam ingressar no mundo artístico da produção audiovisual, muito pelo contrário. São, na maioria das vezes, apenas pessoas fascinadas pela possibilidade do registro de si e do mundo, pessoas para quem a captura do mundo em tempo real, em sua condição de movimento, relaciona-se muito mais a questões de afeto e memória que a questões artísticas. Cria-se assim todo um frouxo (e imenso) contingente de produtores de imagem que caminham pelo mundo sem um norteador maior que os oriente, apontando suas câmeras pessoais para qualquer coisa que pareça interessante.

De que fala A curva, festejado curta de Salomão Santana? Fala de um período, do surgimento do VHS, ou pelo menos de sua chegada à cidade em que se passam as imagens apresentadas, Juazeiro do Norte. Fala de um novo tipo de relacionamento que daí em diante se cria, conjugando em simultâneo aquele que filma (o produtor da imagem), aquele que é filmado (a matriz) e seu duplo eternizado no vídeo. Assim, se nos dois primeiros planos do filme acompanhamos tentativas de ajuste de foco de um cinegrafista na beira de uma estrada (como que a descoberta da possibilidade de se manipular o mundo através da câmera), no resto do filme nos focaremos bem mais no outro lado dessa relação, naqueles que são filmados e em suas reações diante da câmera.

O Rapha já falou muito bem desses instantes das pessoas registradas que são compilados pelo filme – instantes dedicados “ao nada, ao silêncio, à introspecção, a aquele vulgo olhar vazio”. Eu acho que é por aí mesmo, que boa parte do filme trata exatamente disso. Mas há também a forma com que aquilo tudo é trazido. Eu não tive acesso ao material bruto que o Salomão editou. Então a única coisa que eu posso depreender formalmente dali é uma proximidade enorme entre aqueles quadros apresentados com uma modalidade de captura do mundo bem mais antiga, a fotografia. Cartier-Bresson tem um depoimento em que diz que com seus retratos procura capturar o que chama de “instante interior” de cada pessoa retratada. Não estaria A curva procurando um processo semelhante?

O uso das possibilidades da câmera, aqui, é rudimentar (não há praticamente travellings ou movimentação dos corpos), e isso nos faz pensar ainda mais no uso da câmera de vídeo como uma mera extensão do ato fotográfico. Por isso que dizemos que é um filme sobre um relacionamento nascente – é esse não saber o que fazer com a câmera associado a um não saber o que fazer diante dela. E há toda a nostalgia presente nas linhas do VHS, uma nostalgia que em pouco tempo será comparável à causada pela imagem em Super-8.

A curva, podemos dizer ainda, é um filme sobre a virada. É a curva que faz o mundo com o nascimento do vídeo, com a abundância de imagens que daí em diante serão captadas e veiculadas em cada vez mais mídias – e também com um novo tipo de relacionamento que brota daí, conjugando homem e imagem. O mundo é apresentado a sua 4º dimensão, que ganha corpo na virtualidade, no audiovisual.

(Calac Neves)
A Curva está na Competição Nacional 7.

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