domingo, 4 de novembro de 2007

O Homem da Cabeça de Papelão


O homem da cabeça de papelão é daqueles típicos casos de desrespeito ao cinema. Porque, não contente em praticamente aniquilar o elemento humano de seu filme – sucumbindo-o à representação, à alegoria e ao peso plástico da direção de arte -, o diretor Carlos Canela parece travar uma cruzada pelo aniquilamento do próprio cinema. É como se o diretor, ainda insatisfeito com toda a poluição visual proveniente dos cenários absolutamente fakes de seu universo fictício, tivesse ainda de tornar aquilo mais interessante, lançando mão, para tanto, de um dos usos mais vagabundos da linguagem cinematográfica: a ausência de linearidade temporal. Para Canela, ao que parece, a única arma formal do cinema encontra-se aí – porque de resto, tudo o que aparece em seu filme parece muito mais ligado ao teatro e a outras artes performáticas que propriamente ao cinema.

Mas meu maior incômodo com o filme fica mesmo por conta da constituição do universo fictício. Existe ali uma contradição fundamental, na medida em que toda a história narrada gira em torno de uma mera anedota social, enquanto que o filme, por sua vez parece única e exclusivamente preocupado com o cenário kitsch e as atuações performáticas. Meu problema, então, não é com o universo ficcional em si (coisa que vem já do conto em que o filme se baseia, do cronista João do Rio), mas com todo um anti-naturalismo (por isso falava em aniquilamento do elemento humano) que, no fundo, não encontra respaldo narrativo. Isso talvez se deva à própria exigüidade de tempo que o curta-metragem impõe. Brazil, de Terry Gillian, por exemplo, certamente a principal (talvez a única) influência cinematográfica de Canela quando decidiu fazer o filme, conseguia um resultado interessante porque era verdadeiramente um filme sobre a sociedade de controle, não uma anedota da qual se extraía um desfile carnavalesco futurista – com alguma alegoria social, é verdade, como no plano seqüência que abre o filme, mas nada que exceda essa mera alegoria de desfile, sem funcionalidade dramática.

O problema fundamental de O homem da cabeça de papelão está, na verdade, numa visão equivocada, inversa, do processo cinematográfico: é crer que a dramaturgia brotará espontaneamente da concepção visual do filme. Crer que um cenário “interessante” (pra mim, particularmente, nada além de fake e bobo) e de uma piada “atual” (que gire em torno da mentira e da corrupção no cenário político) irão gerar automaticamente um bom filme. Ou, pior ainda, crer que uma montagem descontínua, que confunda temporalmente o espectador, desviará automaticamente a atenção deste para a pobreza dramatúrgica da obra.
(Calac Neves)

8 comentários:

  1. Disrespeito é premiar o Saliva como melhor filme. Isso é falta de muita coisa! Propaganda de desodarante, de paste de dente, de baton...pode ser tudo, mas cinema não é! É por isso que esse festival não é respeitado, porque não tem respeito com o cinema. Vergonha achar que cinema é isso...Nota zero, tanto para o festival, quanto para o Júri repleto de imbecis!

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  3. Bom, já que surgiu essa dúvida, vou me manifestar. Não fui eu que postei o comentário acima e tenho pelo menos 12 testemunhas com CPF e RG para provar, tudo reconhecido em cartório. E já que estou aqui, só gostaria de dizer que “Brazil – O filme” não é minha única referência, mas provavelmente, a única referência que o crítico conseguiu encontrar. Essa obsessão de críticos por referências...



    No mais, achei a crítica boa e relativamente previsível. Não no sentido pejorativo, pois o texto é bom, e tem uma perspectiva bem inteligente, mas simplesmente previsível. “Pra onde mais vou olhar além da paisagem de minha janela...”, já dizia Marcelo Serodre.



    Carlos Canela

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  4. carlos, desrespeito é com E. e sua postura é, essa sim, extremamente desrespeitosa.
    uma pena que o resultado final de premiação te deixe tão abalado a ponto de tentar denegrir um festival que foi inegavelmente intenso e renovador, e que caminha clara e conscientemente no sentido de se tornar um grande pólo de reflexão sobre o curta-metragem. esse blog é um dos exemplos disso.
    discussões e polêmicas são saudáveis e bem-vindas, mas respeito e maturidade se fazem necessários.

    Lis.

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  5. Acho que as críticas quando sinceras são positivas. Tanto as que ferram como as que elevam. Concordo com o Carlos em relação ao filme Saliva, parece comercial de pasta de dente.Mas não concordo quando ele chama os críticos de imbecis(não publicamente.) As vezes eles são despreparados, as vezes políticos, as vezes inteligentes demais, mas não imbecis.
    O filme do Canela eu acho legal porque é estranho! Mas começo a achar que os filmes limpos são os queridinhos. Melhor seria esses diretores fazerem propaganda de Hospital ou de fraldas geriátricas.
    O debate é importante, mas sem baixaria, sutil, como sutil são os jurados.

    Beto Valente

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  6. como eu poderia estabelecer posivel relação entre a nossa materia ied ao texto o ,romeu cabeça de papelão

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  7. Vi o filme no Porta Curtas e achei ótimo, um dos meus favoritos do acervo. Esses críticos, francamente ...

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  8. Gostaria de enfatizar a atuação do Glicério, o relojoeiro, que está muito boa. No tom correto para mim.
    Foi muito legal ver Epaminondas atuando no cinema, pois ele é uma grande referência no teatro mineiro, um grande mestre. Epaminondas participou de uma montagem para o teatro do mesmo conto e é uma das peças teatrais mais interessantes que já vi na vida. Para fechar: fazer cinema neste país é uma atitude muito corajosa!

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