Os primeiros planos de “Cabaceiras” (2007) mostram a pequena cidade nordestina que dá título ao filme. Estas imagens, no entanto, não são planos gerais da praça central do lugar, ou do casario antigo. Em planos detalhe, vemos guarda chuvas, uma sandália de plástico que bóia numa poça d´água, um pouco do comércio. Para apresentar Cabaceiras, então, a diretora faz uso de uma reportagem de TV. Ficamos sabendo que a cidade tornou-se conhecida por abrigar as filmagens de longas metragens brasileiros como “O Auto da Compadecida” e “Cinema, Aspirinas e Urubus”. Os personagens do filme são moradores de Cabaceiras que participaram, de alguma maneira, das gravações destes filmes. Falam de si, da cidade e da experiência que viveram. A diretora, inclusive, empresta a câmera a eles, para que filmem a região à sua maneira.
A tentativa de produzir imagens diversas das que comumente se encontram em documentários, utilizando diferentes suportes – fotos, um aparelho de TV filmado – é um esforço interessante do filme. Os personagens também são apresentados através de suas carteiras de identidade, de fotos de família. O formato tradicional de entrevista, em que o diretor fica atrás da câmera e o personagem fala diante dela, não é praticamente utilizado, à exceção de uma das personagens, que dá um longo depoimento sobre sua visão da cidade. Para ela, Cabaceiras é como uma cabaça: por fora parece seca e dura, mas por dentro está cheia de sementes, que são seus habitantes.
Neste momento do filme, a diretora parece ter encontrado a “tese” que gostaria de explicitar, e toda uma gama de possibilidades de realização cai por terra. A imagem que se segue é surpreendentemente óbvia: os quatro moradores serram uma cabaça até verem cair dela suas sementes. Os personagens, então, afirma e reafirmam: os filmes rodados na cidade mostram apenas a seca e a pobreza de Cabaceiras. Uma cartela ao final não quer deixar dúvidas ao espectador, e apresenta a lição, algo como “ao contrário do que disse a reportagem da Band, a estrela de Cabaceiras não é o bode, mas são seus habitantes”.
Embora adequado, o esforço de representar Cabaceiras de uma maneira diversa daquela realizada até então também é problemático. Porque os personagens quase não aparecem, se eles são a riqueza da cidade? Quanto ao dispositivo de entregar à câmera aos moradores, já não foi demasiadamente empregado no documentário brasileiro? O que justifica sua utilização? Seria a crença em atingir alguma “verdade” a partir de imagens supostamente “puras”, feitas pelos “nativos”, sem intermediações?
Para além de uma interessante discussão sobre representações do Nordeste, infelizmente desperdiçada, cabe perguntar que benefícios a realização de produções cinematográficas pode – ou poderia – ter trazido à região. Será que não promoveu algum estímulo ao desenvolvimento econômico? Não teria levado alguns dos habitantes ao cinema? Embora não seja esse o debate que o filme quer promover, talvez seja ingênuo transformar produtores e diretores de cinema em algozes da imagem.
A tentativa de produzir imagens diversas das que comumente se encontram em documentários, utilizando diferentes suportes – fotos, um aparelho de TV filmado – é um esforço interessante do filme. Os personagens também são apresentados através de suas carteiras de identidade, de fotos de família. O formato tradicional de entrevista, em que o diretor fica atrás da câmera e o personagem fala diante dela, não é praticamente utilizado, à exceção de uma das personagens, que dá um longo depoimento sobre sua visão da cidade. Para ela, Cabaceiras é como uma cabaça: por fora parece seca e dura, mas por dentro está cheia de sementes, que são seus habitantes.
Neste momento do filme, a diretora parece ter encontrado a “tese” que gostaria de explicitar, e toda uma gama de possibilidades de realização cai por terra. A imagem que se segue é surpreendentemente óbvia: os quatro moradores serram uma cabaça até verem cair dela suas sementes. Os personagens, então, afirma e reafirmam: os filmes rodados na cidade mostram apenas a seca e a pobreza de Cabaceiras. Uma cartela ao final não quer deixar dúvidas ao espectador, e apresenta a lição, algo como “ao contrário do que disse a reportagem da Band, a estrela de Cabaceiras não é o bode, mas são seus habitantes”.
Embora adequado, o esforço de representar Cabaceiras de uma maneira diversa daquela realizada até então também é problemático. Porque os personagens quase não aparecem, se eles são a riqueza da cidade? Quanto ao dispositivo de entregar à câmera aos moradores, já não foi demasiadamente empregado no documentário brasileiro? O que justifica sua utilização? Seria a crença em atingir alguma “verdade” a partir de imagens supostamente “puras”, feitas pelos “nativos”, sem intermediações?
Para além de uma interessante discussão sobre representações do Nordeste, infelizmente desperdiçada, cabe perguntar que benefícios a realização de produções cinematográficas pode – ou poderia – ter trazido à região. Será que não promoveu algum estímulo ao desenvolvimento econômico? Não teria levado alguns dos habitantes ao cinema? Embora não seja esse o debate que o filme quer promover, talvez seja ingênuo transformar produtores e diretores de cinema em algozes da imagem.
Rita Toledo
bacana o texto.
ResponderExcluireu gosto bastante do CABACEIRAS, mas concordo contigo (e teu texto me fez lembrar disso, havia me esquecido...) quanto fala sobre esse momento em que os quatro plantam a árvore...
realmente, talvez não fosse necessário isso estar ali. por outro lado, eu gosto da cartela que a diretora inclui após as entrevistas.
(Rapha)
Achei interessante "Cabaceiras" de Ana Bárbara, porque ela foi a primeira diretora a realizar uma produção com uma abordagem diferente das anteriores e foi a primeira a fazer uma crítica as temáticas que vem sendo reproduzidas e repetidas naquela região. São imagens que cristalizam discursos esteriotipados de um Nordeste da seca, da fome, do atraso, do analfabetismo, do solo ressequido e rachado, do cangaceirismo, do cabra e da mulher macho sim sinhô, do coronelismo, do messianismo, etc. Essas imagens apenas reforçam essas dizibilidades e visibilidades de um Nordeste construído e inventado, como diria Durval Muniz no livro "A Invenção do Nordeste". Concordo e aplaudo a percepção de Ana Bárbara.
ResponderExcluirFrancisco de Paula Almeida