quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Ao infinito


Conversando com um amigo sobre esta experiência de escrever críticas para o festival, este me enviou via e-mail um trecho de um certo autor (cujo nome ainda não sei), versando sobre a experiência da crítica de cinema. Ele diz: "... os criticos de hoje perderam a capacidade de se espantarem com os filmes, de não saberem o que dizer. Enquanto o critico não se der a possibilidade de ver algo além dos seus sentidos, não haverá crítica". Faço dessas palavras as minhas no que diz respeito a essa sensação de "não saber o que dizer" sobre um outro curta presente na Competição Nacional 6, "Convite para jantar com o camarada Stalin".


Por onde começar? Não sei. Assim como também não sei apontar as causas exatas desse filme ter mexido tanto comigo. Acho que é uma confluência de fatores e pequenas opções tomadas pelo diretor. São poucos planos – cerca de sete. Todos muitíssimo bem construídos, com imagens que são monumentos a toda uma extensíssima tradição da imagem, seja em movimento, seja ela estática. Em alguns momentos eu parecia estar vendo um Vermeer, só que sem aquela possibilidade de leituras dos quadros do holandês em que a luz ressalta a vivacidade das cores. Nesse vídeo o toque de Vermeer está no trabalho com as janelas, na experiência com um observar das ações com toques de voyeurismo. Estou escondido, observando aquele arrastar de vida daquelas duas excepcionais senhoras. O silêncio reina. Uma usa camisa branca, a outra está vestida de preto. A cada pequeno movimentar delas sentimos a morte chegando, lentamente.


E o auge dessas imagens: o momento do abraço. Aqui, diferente da minha experiência com "Sensações contrárias", quem desmoronou fui eu. Que direito eu tenho de observar esse contato tão íntimo entre essas duas pessoas? Ainda bem que não fica claro que palavras são aquelas que saem de suas bocas. Se elas fossem claras a mim, ficaria péssimo por ter invadido ainda mais a sua privacidade. Coroando tudo isso, aquela música com pitadas sonoras de rádios antigos. Onde fica essa casa delas? Em algum lugar perdido no tempo e no espaço, rodeado por ruínas, rodeado por sonhos não alcançados. Apenas se assiste ao tempo. E elas persistem, elas ainda querem viver. Elas tem uma à outra - e tem a mim.


Seria eu o "camarada Stalin"? Já fui voyeur e tem um tal lugar na mesa não preenchido... Por outro lado, como elas são apenas imagem em movimento, construção de um universo através de luz, eu nunca poderei sentar naquela mesa junto a elas. Meu convite está restrito a observar e a venerar esses instantes tão íntimos que perpetuam a amizade dessas senhoras, ao infinito. Como eu gostaria de estar lá e abraçá-las também. Como eu gostaria de provar aquela carne que elas cozinharam, juntas, enquanto estavam abraçadas. Porém, a mim (mero espectador) cabe apenas agradecer (e muito) ao convite deste jantar e, infelizmente, recusá-lo.


(Raphael Fonseca)


"Convite para jantar com o camarada Stalin" está na sessão Competição Nacional 6.

3 comentários:

  1. que lindo, Rapha. seu texto me emocionou tanto quanto o filme que, a mim também, encanta sem eu saber exatamente por quê.

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  2. Eu pensava que curta era um filme pequeno mas tenho visto que não é. Que é isso aí: mil coisas e, às vezes, a escolha acertada de umas poucas.E nesse caso, os 7 quadros lindos que eu e Rapha contamos após a sessão foram escolhas meticulosas e perfeitas. Não queria ser convidada para o jantar nem me imaginava provando aquela comida mas pensava que tempo e espaço eram aqueles e qual seria o próximo quadro.

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