Meu nome é Gal poderia ser classificado em um primeiro momento como um videoclip, mas por alguma razão essa não parece ser a melhor definição para o filme. Isso não acontece apenas porque a sua estrutura musical é composta por três músicas, ao invés de uma só, como acontece nos clips de hoje e na própria idéia de se lançar uma música a partir do aspecto comercial e de apresentação que traz um videoclip. Nesse sentido, é importante lembrar que os anos 70, ano de feitura dessas imagens, a linguagem do videoclip ainda não estava estabelecida. Mas além de tudo isso, o objetivo do cineasta aqui parece ser outro: Fontoura filma Gal para acompanhá-la, para deixá-la viver entre lugares que fazem parte de suas vidas e dos seus sonhos.
Portanto, não só Fontoura tem toda uma liberdade para retratar uma cantora sem ter padrões estabelecidos para esse exercício, como também apresenta uma motivação que vai além de uma representação que busca apenas compor uma narrativa musical. Gal é a motivação, Gal por ela mesma, como ouvimos e sentimos tantas vezes ouvindo a música-título. Mas agora isso vem em imagens, até mesmo porque no cinema de Fontoura ver é ouvir e vice-versa. Por isso, ao mesmo tempo que antecipa a importância que a própria música ganharia na carreira da cantora, Fontoura extrapola as possibilidades de ser Gal para além do título do filme, para além da intensidade de ser Gal que a própria música traz. Todas aquelas imagens formam a cantora, tanto a menina que se arruma diante do espelho para sair e que revela a preocupação do cineasta de procurá-la em seus gestos cotidianos, como a Gal que aparece nas imagens mais estranhas e belas do filme: em meio a uma densa floresta, estática e mágica, como parte integrante da natureza. São imagens em que o que há de belo também é o que há de desconhecido. Estamos diante de imagens de um tempo e de espaços não muito identificados, inesquecíveis, e que se constroem como pura sensação, como traz de forma extrema a performance da cantora numa boate quando canta a música título do filme. Mas o que são todos esses cinemas não-identificados de Fontoura?
Talvez seja uma forma devota e apaixonada de filmar, como se a sua câmera só pudesse ser uma câmera-pincel, que deve colorir o filme com os sentimentos do cineasta. Nos outros curtas que integram a retrospectiva, essa devoção também está evidente e sustenta tanto as construções de enquadramentos como os movimentos de câmera – como, por exemplo, nos travellings lentíssimos que deixam a pintura acontecer e ter seu próprio tempo, ou nos contraplonges das construções arquitetônicas de Ouro Preto e Scliar. Essa devoção também faz com que Fontoura construa um movimento entre os cortes que estabelece uma relação entre a arte e a vida em que esta se inspira e, como todo apaixonado, o cineasta se entrega completamente ao seu objeto de filmagem. Imagens que buscam a semelhança entre suas pinturas e seus referentes, como a Ouro Preto que se mescla entre pinturas e telhados, ou a Gal que tanto é uma Gal mulher como uma Gal performática.
Um cineasta que se devota às imagens porque consegue apostar com intensidade no fascínio e amor que sente por elas. Assim, de algum modo Fontoura parece ter tido sempre em mente os motivos que o levaram a fazer cinema. Como diz Antonio Dias em Ver Ouvir, “infinitas são as deformações e as combinações” no cinema de Fontoura.
Juliana Cardoso