terça-feira, 30 de outubro de 2007

Foco Argentina 1 e 2

As primeiras imagens de “Tire dié” (1958) filme célebre de Fernando Birri, mostram tomadas aéreas da cidade argentina de Santa Fé. A voz do locutor despeja informações quantitativas: quantos habitantes, quantas escolas, indústria e comércio, latitude e longitude. Se primeiro sobrevoamos o centro, logo a paisagem urbana, povoada e construída, dá lugar a planícies vazias, em que poucas casas pobres se dispõem ao redor da via férrea.

Como grande parte das produções documentais brasileiras da época, o filme argentino anseia por dar conta de uma realidade complexa: quer compreendê-la, formular teses e explicá-las ao espectador. Na apresentação, uma cartela anuncia que o filme é “a primeira enquête social filmada”. A voz do locutor esclarece e informa, mas, ao mesmo tempo, aborrece pela enorme quantidade de dados que acabam por perder-se ao longo da narração.

A vontade de criar uma distância do “objeto” filmado e analisá-lo sociologicamente, no entanto, dá lugar a uma abordagem menos autoritária quando das imagens áreas passamos a um pequeno grupo de crianças que vivem no subúrbio. Sua atividade para ajudar as famílias pobres é correr junto ao trem gritando aos passageiros “Tire dié!” (“jogue dinheiro!”). Equilibrando-se na ponte sobre a qual o trem passa, as crianças arriscam a vida para recolher moedas que as pessoas atiram pela janela.

Longos planos gerais permitem aos meninos transitar pelos campos desertos. A câmera os segue até suas casas e mostra as dificuldades vividas pelas famílias: desemprego, moradias precárias, doenças. Neste contexto, o dinheiro conseguido pelas crianças no trem é parte importante de sua renda. Evidenciando a forte influência do Neo-realismo, o diretor parece então permitir que a realidade invada o filme, deixando de lado a ânsia de a todo tempo controlá-la.

A temática social de “Tire dié” aparece em grande parte dos filmes reunidos na sessão Foco Argentina 2 - Anos 90. Embora nenhum dos curtas seja documental, todos tratam de situações marcadas pelas noções de precariedade, violência e abandono. Em alguns deles, os campos desertos da planície argentina também vêm servir de metáfora para um país – e também um cinema – que procura caminhos para se desenvolver.

Em “Onde e como Oliveira perdeu a Achala” (1995), de Andrés Tamburnino, dois homens em busca de uma cidade de nome americano se perdem por estradas esburacadas e vilas perigosas. Aqui, a ironia começa pelo nome dos personagens, que se referem a dois grandes produtores dos anos 1980. O cinema argentino desta época foi duramente criticado pela geração de cineastas da geração seguinte, militante e socialmente engajada. Perdidos e furiosos, os dois brigam e Oliveira acaba por matar Achala.

“Rey Muerto” (1995) de Lucrecia Martel, conta a história de uma mulher que tenta fugir com os filhos do marido violento que dita as regras em um vilarejo pobre no campo argentino. Aqui, a mise-en-scène melodramática, a narrativa não linear, a trilha sonora constante que enfatiza as ações dos personagens e o uso não naturalista da luz produzem um excesso de estilização que aproxima o filme de estéticas publicitárias.

Olhos de Fogo (1995), de Jorge Gaggero, é outro filme que aborda a crise social Argentina, mas sob o viés de uma espécie de drama psicológico. As imagens de um grupo que saqueia um supermercado, de forte apelo documental – a câmera é instável, corre desviando-se das pessoas – parecem antecipar as imagens produzidas ao longo dos acontecimentos de dezembro de 2001 no país. Um dos jovens é Julian, filho de uma prostituta. Acompanhando o cotidiano do garoto audacioso, que transita pelo vilarejo sem rumo, conseguimos caracterizar e acreditar no personagem, cuja veracidade também advém da boa atuação de Jorge Huertas.

Rita Toledo

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