quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O lobinho nunca mente (Ian SBF, 2007)

Em um dado momento de sua célebre crítica-manifesto Da abjeção, Jacques Rivette afirma que “todos os temas nascem livres e iguais em direito; o que conta, é o tom, ou a inclinação, ou a nuança, como se quiser chamar – ou seja, o ponto de vista de um homem, o autor, mal necessário, e a atitude que toma esse homem em relação àquilo que filma”. Talvez a sentença sirva de ponto de partida para a reflexão sobre a maneira com que O lobinho nunca mente lida com os minutos que antecedem a morte de seu protagonista – todo o filme, na verdade, gira em torno desses últimos minutos.

Logo no primeiro plano do curta-metragem de Ian SBF, somos postos diante da imagem de um homem paralisado no chão de sua casa. A narração em off em primeira pessoa explica: há três dias ele havia subido em cima de uma cadeira para colar um pôster na parede, mas caiu, e estava desde então incapaz de realizar qualquer tipo de movimento, o único que lhe restava era o piscar dos olhos. Também nos é dito que este homem está perto de morrer de sede, pois vive as últimas horas que o corpo humano é capaz de suportar sem água.

Após a projeção, me faço uma primeira e essencial pergunta para dar início à tentativa de compreender este filme: por que o humor permeia a narração que exprime os pensamentos do personagem? Certamente não se trata de uma questão de verossimilhança, pois seguramente a última intenção de qualquer um que estivesse a ponto de morrer de sede e fome seria a de fazer graça. Chego então a uma primeira possível resposta que está longe de ser definitiva - o humor é de certa forma, um dispositivo para tornar a situação suportável, e na pior das hipóteses até agradável, ao espectador, na medida em que o coloca a uma distância segura da dor, segura o suficiente para que se possa rir sem constrangimento. Tenho ainda uma segunda inquietação: por que, ao final, o filme condena tão severamente seu protagonista em sua auto-reflexão, revivendo todas as sacanagens que teria feito ao longo de sua vida até chegue à conclusão de que merece a morte? Talvez, e aí chego a outra possível e não definitiva resposta, seja novamente uma maneira de se fazer com que uma morte tão terrível seja mais facilmente aceita e palatável ao espectador, uma vez que é aceita pelo próprio personagem como forma de autopunição.

De maneira geral, todas as minhas questões parecem culminar na forma como o curta soluciona a dificuldade de se filmar a morte e na aparente falta de questionamentos a partir da escolha desse objeto. É perturbadora a coexistência de uma imagem tão horrível (e naturalista) quanto a de um homem estirado no chão da sala com a cabeça sangrando, imobilizado (em um dado momento até comparado a uma maçã apodrecendo), com uma narração em off preocupada em fazer piadas. Retornamos, então, ao ponto inicial dessa reflexão, pois, se absolutamente tudo pode servir de objeto para o cinema, cabe a nós questionarmos o posicionamento do cineasta em relação a este objeto. Até que ponto um diretor pode abstrair aquilo que filma da forma com que o filma? Não é minha intenção, de forma alguma, defender que o cinema deva mostrar respeito absoluto por este ou aquele assunto, sendo acusado de moralmente condenável caso contrário, mas apenas um cuidado na forma de lidar com o seu objeto, e é justamente isso que parece faltar em O lobinho nunca mente - cuidado.

(Alice Furtado)
O lobinho nunca mente está na competição nacional 5

8 comentários:

  1. Nossa, o filme é ainda pior que eu imaginava: não lembrava dessa condenação do autor do filme ao personagem. Imagino perfeitamente: “eu sempre fui um escoteiro burguês filhinho de papai, nunca fiz nada de relevante naa minha mísera vida, então, pensando bem, agora que tenho bastante tempo para pensar sobre a minha mísera existência, eu mereço morrer” pfff ergh
    O que mais me incomodava nesse filme era aquela narração em off. Quando falo de personagens pouco complexos, alice, personagens idiotas, sabe? não sei se vc concorda, mas acho que é isso: as pessoas não são assim, sabe? E não estou falando de verossimilhança, não, estou falando de existência. Para mim, cinema deve falar de existência - ou de não existência. Esse filme não me faz querer existir, ou querer não mais existir. é simplesmente uma nulidade, um jogo pseudo-verborrágico idiota. as pessoas NÃO são assim, eu prometo.
    agora, juntando essas duas informações: jogo idiota com mensagem fatalista e idiota: assustador, esse diretor realmente deve achar que as pessoas pensam dessa forma, que essa lógica absurda pode ser usada para se tirar uma conclusão de vida, pior, uma conclusão fatalista de vida: esse filme não existe!, putz.

    Pedro.

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  2. Alice,

    bom texto. eu fico a pensar se esse personagem está realmente morrendo. e também se não seria igualmente verossímil uma pessoa, morrendo daquela forma, manter o senso de humor. quem garante que não?

    o que mais me preocupa nesse curta são essas auto-reflexões permeadas de uma "culpa cristã". aí eu concordo contigo em cheio.

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  3. Não entendo a necessidade de se avaliar moralmente um filme, quando o objetivo é interessar ou não ao expectador (logo, literalmente, entretê-lo), seja causando tristeza, revolta, medo ou graça.
    Pode-se ver que há inclusive uma necessidade de se procurar figuras de comparação (a maçã é apenas uma maça no campo de visão do personagem e ela não estava podre) e uma clara necessidade pessoal de atacar o trabalho alheio: o camarada acima usou "caps lock", e alternou xingamentos diretos com outros com ar de intelectual.
    Como uma pessoa que assitiu o filme, eu posso dizer que gostei muito, lembro dele até hoje em detalhes e é clara a superioridade a 98% dos curtas produzidos neste país que eu vi... Conclusão pessoal, um curta digno de premiação como outros trabalhos de Ian... Que sim, é uma pessoa difícil, mas isso nada tem a ver com qualidade de entretenimento.

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  4. Pô! Eu até consigo aceitar que algumas pessoas que não entendam de linguagem cinematográfica queiram opinar mesmo assim. Mas que não entendam de pessoas... Esse filme não tem nada a ver com culpa cristã ou senso de humor inadequado. Vocês já assistiram ao Escafandro e a Borboleta? Além de aprenderem um pouco mais sobre cinema, vocês aprenderão, talvez, alguma coisa sobre reflexão (que é também a proposta do Lobinho). O personagem deste longa é real e muito bem humorado nas suas reflexões (registradas em livro com o piscar de um olho), apesar do terrível mal que lhe acometeu. Mas infelizmente são poucos que sabem fazer do limão uma limonada. Qualquer revés por qual passamos é capaz de trazer reflexão (a quem sabe refletir) sobre passagens de nossas vidas que gostaríamos que fossem reescritas. Nem é preciso que seja uma tragédia dessas. E isso não tem nada a ver com culpa cristã. Ok, nesse filme em especial (diferente de O Escafandro e a Borboleta) o personagem está bem próximo da sua morte e não há nenhuma assistência médica que talvez permitisse uma consciência tão clara de idéias. Mas (helo) isso é cinema. É pra que a gente reflita, se imagine em tal situação. Como é difícil isso pra vocês, hein!

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  5. Só depois que eu fui ver que esses comentários do mês de novembro, são na verdade de novembro de 2007. Ok, não existia ainda O Escafandro e a Borboleta ainda. Mas é mais um motivo para que eu admire ainda mais esse curta. O diretor estava "conectado" com uma idéia reflexiva que foi aproveitada mais tarde em outro bem conceituado filme. Ponto para o diretor daqui. Quem sabe essa gente que escreveu por aqui agora já tenha visto o filme francês e já tenha mudado de idéia. A opinião que vem de fora às vezes é mais valorizada no meio da mediocridade.

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  6. bom estando a beira da morte vendo a vida passar todos dizem que arrependemos dos nossos erros, sera que o nosso amigo [ pedro faissol ] o autor do primeiro comentario numca se arrrependeu de um ato que fez, é se julga tao melhor do que os outros aos seus olhos um simples e mero mortal com auto critica que ele dis ter certeza que nós nao pensamos igual ao rapaz caido ao chão sem a menor capacidade de se levantar, se arrependendo dos pecados, e como pode dizer com tanta certeza que eu nao penso igual ao rapaz se voçe nao vive minha vida e meus pecados que pena que voçe nao vai ler esse comentario porque voçe promete que as pessoas nao sao assim passe por uma situaçao igual depois me venha dizer que nao se arrependeu de alguns dos seus atos eu ja passei algo parecido, [ e prometo por mim só nao por todos nao sou todos,] que eu ja ví minha vida passar deante dos meus olhos e me arrependi de alguns pecados e nao me venha querer falar de realidade se nao a viveu ....[ sarcastico....ò...senhor verossimilhança ] a gente costuma falar so do que viveu ou do que se sabe entao nao fale oque nao sabe numca viveu a vida de outra pessoa pra dizer que na oe assim...eo text oem off e muito bem colocado pela situaçao em que o rapaz se encontra.....eu achei muito bom o contexto do curta pois foi bem preciso no que queria passar e ate bem comico em alguns momentos....parabens ao autor....quando lançar outro conte comigo para pagar para velo com muito gosto e prazer.....

    apesar de aqui ser uma area pra critica defendendo a ideia do autor, e repudiando a arrogante critica do nosso inestimavel amigo pedro faissol..!!!obrigado pela atençao e grato pelo espaço sedido para comentarios...

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  7. Cilio Campos, nunca vi tanto erro de portugues!Primeiro aprenda a escrever, depois comente!
    Lucia Lima

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  8. Alice, que pontualidade. Nem morrer ficou certo que o "Lobinho" tenha morrido: Marlene deixou a porta aberta, e não se sabe se tem mais minutos ou horas de vida - este tipo de final se denomina "desfecho em aberto".
    Olhar ou não com humor foi a opção de linguagem do Diretor e Roteirista Ian SBF (como você mesma disse, até para tornar a situação suportável), mas não creio que este seja um aspecto com que as pessoas devam tomar o nível de cuidado que seu texto nos convence a tomar. Pelo contrário! Esse recurso poderia ter sido melhor utilizado pelo autor se ele explorasse o questionamento do quase-defunto de uma maneira até mais ousada, afinal, é um clichê, e clichês são bons para experimentação da linguagem. Dava para ter "brincado" mais com tudo isso.

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