terça-feira, 30 de outubro de 2007

Mais um movimento de Michel Gondry

Ver a sessão Michel Gondry no Curta Cinema faz pensar em até que ponto o cinema se aproxima ou não das outras artes visuais. No entanto, esta não é uma reflexão que busca a essência do cinema, ou ainda, a do videoclip, mas que é mais uma sensação que a sessão de Gondry provoca no espectador ao sair da sala de exibição: uma vontade de ver mais videoclips na tela grande e no escurinho do cinema O que é o cinema? O que são as imagens? Quais são os limites entre alguns meios de expressão audiovisuais? Apesar dessa ser uma pergunta em evidência nos tempos atuais, Gondry está longe de provocá-la como uma simples repetição de um discurso em voga.

A sessão Michel Gondry é composta basicamente por videoclips, mas mesmo as animações ou os filmes cujo caráter é bastante experimental ou caseiro, como é o caso de Os 24 anos do meu irmão, trazem neles uma caráter de videoclip, no que essa linguagem tem de rápida, imediata e no que muitas vezes é imbuída de tecnologia e possibilidades técnicas que o vídeo traz. A exceção da sessão Gondry, é A carta, o caso mais ligado ao que se entende tanto por curta-metragem como por cinema. Mas se A Carta é o representante de sessão que mais chega perto ao modelo de curta-metragem que compõe o restante do festival, por que Gondry comporia uma sessão dentro do Curta Cinema, já que essa sessão é composta principalmente por videoclips?

Talvez porque Gondry seja um homem do movimento, que se interessa por como os movimentos e as camadas de estados das coisas fazem parte de uma questão de ritmo e vida, que nunca pára. Os clips de Gondry nos trazem mesmo esta sensação: queremos assegurar algum daqueles fragmentos de movimentos para nós, mas não é possível, e é desta impossibilidade que vem grande parte da beleza da sua obra, já que ela traz tanto a vontade do homem de dominar o movimento das coisas, como a impossibilidade disso acontecer, pois dominar o movimento, neste caso, não é ter consciência do seu fluxo, mas sim de suas interrupções. Isso se expressa de forma mais direta em The hardest button to button (White Stripes), Drumb e Drumber e em Let forever be (Chemical Brothers) , ou de forma mais sugerida como no clássico clip do Daft Punk, Around the world. Gondry desconstrói o movimento e o reenquadra novamente, em um novo fluxo.

Around the world também revela um outro interesse de Gondry: os fragmentos visuais são muitos, as múltiplas camadas das imagens estão lá, mas elas não são apenas superficies Elas fazem parte de um todo, que norteia todos aqueles robôs e figuras não-humanas que giram ao redor do mundo do Daft Punk, ainda que em diversos sentidos e formas. Se fazem parte de um todo e se o remixe das camadas e fragmentos de Gondry estão longe de uma fragmentação que busca sugerir uma fragmentação rasa, Yoga (Björk) leva isso até a sua profundidade maior: a rachadura é a da terra, é a do magma, da profundeza do que vem a formar o mundo. Neste sentido, Yoga e Around the World sugerem mundos que parecem opostos, mas que se unem nos fragmentos e interrupções dos movimentos de Gondry, humanos ou nem tanto. Um mundo que ultrapassa fronteiras e limites espaciais e outro que é concentrado em um círculo, mas que acabam ali numa figura que é tanto estranha quanto humana .

Essa relação de Gondry com o que há profundo não é algo existencial, mas ao contrário, é o lado instintivo do homem, seu lado marginal, material, orgânico. One day é a manifestação mais extrema disso, mas Bachelorette e Ma Maison também trazem isso de forma evidente, com a imbricação universo-homem-animal. Assim, é possível ser tomado pela forças misteriosas da natureza, assim como é possível tornar-se, de forma mágica ou assustadora, por uma porção animal. Gondry gosta da natureza humana, gosta da rachadura da terra, do vulcão que extravasa. Por isso, além de tratar de movimento, Gondry trata de paisagens, e principalmente de como atravessá-las em maior ou menor velocidade. As figuras de Gondry certamente não estão no centro do mundo, sob os focos, mas elas têm toda a atenção. Elas seriam como Tiny se sempre fossem frágeis, mas elas também estão no topo do mundo, capazes de ver toda a paisagem possível, como a eletrobótica e fascinante Bjork em Yoga. Não há lugar estável no mundo e as imagens de Gondry trazem isso com toda a intensidade.

Por último, não há como deixar de comentar que, depois de passar uma sessão que nos coloca diante de vídeos que pensam o movimento, paisagens e passagem entre todas essas imagens, assim como a própria noção da imagem em movimento, curiosamente surge um clip que é a cara da vinheta do Curta Cinema 2007, com imagens feitas de peças lego em constante movimento. Por causa dessa bela coincidência e também por causa de toda a magia que nos traz Gondry, parece que o clip foi feito para comprovar o enquadramento dos seus clips dentro do festival de curtas metragens É preciso montar e desmontar, criar novas relações com todas as partes e ir em busca de outras imagens.

Juliana Cardoso

Cine Odeon – sáb 27 de out 17h30
Ponto Cine – seg, 29 de out 16h
Cine Glória – ter, 3º de out 19h30
Cine Santa – qua, 31 de out 18h

3 comentários:

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  2. O especial de Gondry refor�a as mudan�as corajosas e ousadas que aconteceram no festival desse ano, pois todos os seus v�deos tem uma liga�o com o infinito em constante muta�o. Ele inova a cada v�deo e tira nosso pensamento de filmes convencionais...
    Por isso, agrade�o ao festival por ter me apresentado a trabalhos do Gondry que eu n�o conhecia e me fazer apaixonar mais ainda por ele.
    Gostaria de parabenizar tamb�m a todos voc�s daqui do blog de cr�ticas...Voc�s me fizeram gostar de l�-las novamente...
    :)
    Camila Rial (Júri Jovem).

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  3. Oi Camila. Realmente a sessão Gondry foi emocionante. Como eu tinha assistido o show da Bjork no dia anterior, estava ainda mais imersa no mundo infinito do gondry. Que bom que vc gostou do blog. Até mais, Juliana

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