sábado, 27 de outubro de 2007

Seams (Karim Aïnouz, 1993)

É sempre interessante o encontro com os primeiros trabalhos de um cineasta que se admira por suas obras mais recentes. Se por um lado corremos o risco de nos surpreender negativamente, como ocorreu em Rey muerto, curta-metragem de Lucrecia Martel (presente na mostra Foco Argentina) que decepciona qualquer entusiasta de seu cinema pela total dissonância em relação ao que há de mais interessante em seu atual trabalho, por outro há a chance de nos depararmos com grandes filmes, confirmando talentos inegáveis. É o caso de Seams, documentário dirigido por Karim Aïnouz, cuja carreira em longas-metragens distingue-o entre os mais interessantes realizadores do cinema brasileiro contemporâneo.

Equilibrando-se a todo o momento entre o registro tosco feito pelo que parece ser uma câmera caseira e a delicadeza das imagens registradas (os tons pastéis, a proximidade entre a câmera e seus personagens, a preocupação com a luz que atinge o quadro), Aïnouz inicia seu filme contando em inglês (embora esteja bem claro que ele não se dirige apenas a estrangeiros) diversas curiosidades sobre o Brasil, uma terra de machos, como diz o próprio através da narração de Fernando Alves Pinto. Após um breve prólogo, no qual o diretor traduz diretamente para o inglês palavras como “macho”, “viado” e “puta”, explicando ironicamente os seus significados, o filme vai ao encontro de suas personagens - as cinco tias-avós do diretor - apresentando-as com breves descrições de suas personalidades. A partir daí, as cinco senhoras, filmadas sempre em primeiro plano, contam histórias de suas vidas e discutem os mais variados assuntos, discursando sobre suas relações com o amor, a família, o casamento, o sexo.

Difícil desconstruir o amálgama de questões suscitadas por Seams, isolá-las uma a uma e organizá-las racionalmente para se chegar ao ponto de descobrir sobre o que, de fato, quer falar este belo filme de Karim Aïnouz. Isso porque a resposta não reside realmente no âmbito da organização, e sim na amálgama em si, nessa indiscernibilidade das questões. Seams é, ao mesmo tempo, um filme sobre o machismo e sobre a sua influência na vida de seus personagens (incluindo o próprio Aïnouz); sobre o olhar de um brasileiro que vive no exterior; sobre o amor e sobre o estar com o outro; passando pela discussão sobre a indistinção entre o real e a representação. Enfim, um filme sobre a vida, que, como ela, segue seu curso livremente, à revelia de qualquer impulso ordenatório.

Seams está na mostra Primeiros Quadros.
(Alice Furtado)

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