quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A vida de Giácomo


“A vida de Giácomo” (2006) conta a história de um jovem prestes a ordenar-se padre. Em uma pequena vila litorânea na Itália, ele convive com seus colegas seminaristas. A ordem e a harmonia que regem seu cotidiano orientam também a concepção dos planos e a ação que neles transcorre. Quando preparam suas refeições e sentam-se à mesa, ou, em um momento posterior, quando dançam e cantam em uma colina, seus corpos movimentam-se ágeis, preenchendo o quadro de maneira naturalmente orquestrada. O trabalho do fotógrafo italiano Mario Giacomelli “Io non ho mani che mi accarezzino il volto", em que padres brincam na neve, serviu de inspiração para o filme. Nas fotos de Giacomelli, uma atmosfera de intimidade entre os personagens se instala a partir da brincadeira, do jogo.

Também como as fotos de Giacomelli, o curta metragem trabalha contrastes para gerar significação. Giácomo começa a questionar-se sobre a escolha de tornar-se padre e decide sair caminhando pelas estradas, errante. As imagens de convívio com os colegas dão lugar a longos planos abertos em que o personagem se desloca sozinho por paisagens muito amplas e vai ao encontro das pessoas comuns. Agora, a batina negra de seminarista contrasta com os lugares por que passa, com as roupas das outras pessoas.

Mas, se o contraste pode ser facilmente visto, ele parece não ser tão sentido por Giácomo. Juntando-se a um grupo de torcedores de futebol, ele conversa animadamente. Nos planos documentais na praia, a câmera, como o personagem, busca o prazer e a espontaneidade da vida cotidiana: estar entre amigos, escutar o rádio, tomar sol. Em momentos efêmeros, como o sapateado de um menino que corre de uma onda, há uma beleza rara e pueril. Apostar na simplicidade das coisas para nelas vislumbrar sua grandeza e complexidade parece ser a escolha do diretor, assim como a do personagem. Neste sentido, o plano da rede de pesca sendo lançada ao mar revela um olhar atento, que sabe produzir, a partir de elementos simples, situações significativas: é o tempo investido na imagem da rede em movimento que provoca sua extrema força dramática. Da mesma maneira, o mar se apresenta como recurso expressivo de extrema importância para trazer uma gama de significações à história. Na praia, o mar é domesticado; num barco, produz instabilidade. Quando Giácomo bóia na água, o mar torna-se uma moldura dourada, evocando um corpo sagrado, como o de Cristo.

Giácomo busca respostas para questões próprias e particulares, mas parece encontrá-las onde sua vocação o leva para o encontro com a emoção do outro. Ao consolar parentes de um homem morto ou jogar futebol com crianças na areia, ele vive a dor e a alegria dos homens comuns. Como eles, Giácomo erra e acerta, perde e ganha, luta pela vida.

Ao final do filme, os planos de um céu em tempestade sob a narração vibrante da vitória italiana na Copa do Mundo trazem para uma dimensão humana algo do imponderável da existência. Onde encontrar o “ponto de encontro entre a verticalidade de Deus e a horizontalidade dos homens”? Como responde o padre que acolhe as dúvidas de Giácomo no início do filme, cabe a nós arriscar.
Rita Toledo

Um comentário:

  1. Bravo! Bravo!
    Um filme curto e ainda com futebol!
    Se puder vou ver, mas hoje não dá, tem Lucas no Bar Lagoa.
    Parabéns pelas letras!

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