O projeto Vídeo nas Aldeias é um sucesso. Há 14 anos, as oficinas de capacitação possibilitam a construção e o intercâmbio de imagens etnográficas, privilegiando o olhar dos próprios povos indígenas sobre si e sobre o mundo. Acompanhando as tendências do gênero documentário, a noção de auto-representação se expressa nesses filmes como um modo legítimo de construção de uma auto-imagem - a partir da qual o objeto clássico do filme etnográfico irá agora se tornar sujeito produtor de um discurso sobre si mesmo. O modelo documental clássico, didático e expositivo - que se baseia em voice over para estabelecer uma descrição monológica sobre o outro - tem cada vez mais dado lugar a uma produção recente sem pretensões de ensinar sobre o mundo de maneira unívoca, mas que, ao contrário, questiona a 'autoridade etnográfica' e é capaz de veicular a vida social em seus aspectos de polissemia e multivocalidade, estabelecendo complexidade, concorrência e evidenciando justamente uma disputa pelo controle dos mecanismos de representação.
Prîara Jõ. Depois do Ovo, a Guerra, mostra crianças Panará em um dia de brincadeiras na aldeia. Mas o que faz desse filme tão especial? Penso que trata-se, basicamente, do fato de que aquelas poderiam ser quaisquer crianças: de uma aldeia no Mato Grosso, da favela da Maré ou de um condomínio na Barra da Tijuca. E isso encantou o público que, na estréia da competitiva nacional no Odeon, se deliciou com as travessuras daqueles meninos que brincavam de se mostrar (e de SER) para as câmeras. O filme roubou a cena na sessão NAC 1, monopolizando as perguntas no debate e habitando quase todas as rodinhas de comentários pós-sessão.
Vincent Carelli, um dos cordenadores do Vídeo nas Aldeias, explica: "o tempo da guerra passou, mas continua vivo no imaginário das crianças". A encenação da guerra com os Txukarramãe, seus inimigos tradicionais, demonstra o importante papel da cultura oral na fixação de valores na cultura indígena através das gerações. O filme mostra um pouco dessa preparação de guerra, imaginada, fabulada, típica-ideal, uma brincadeira de vida real que, tal qual nos filmes de Jean Rouch, impulsiona pessoas para que elas sejam atores de si mesmos. Parece ser útil aqui recorrer à concepção de etnoficção para dar conta de imagens produzidas constantemente sob o signo da relação: fica clara a presença da câmera e o seu papel catalisador de acontecimentos; um devir-personagem que proporciona àquelas pessoas a oportunidade de se elaborarem objetivamente, produzindo uma realidade que não é anterior mas da qual o próprio ato da filmagem é constitutivo; uma imagem de si para o outro que aciona elementos da 'tradição', mas que não é capaz de esconder o óbvio: a cultura é viva!
A tesoura utilizada no corte de cabelo e o aviaozinho com o qual um deles brinca no final do filme nos remetem a questões cruciais sobre 'autenticidade' e que parecem incomodar aqueles que ainda acham que os índios não podem, assim como nós fazemos, assimilar transformações e inovações em sua cultura. O filme é muito feliz ao estabelecer uma outra relação ética com a alteridade e também ao trazer essa discussão através do olhar geracional, mostrando como permanência e variação compõe, complexa mas igualmente, todas as culturas humanas.
O Vídeo nas Aldeias estará com 4 filmes na programação da 13ª Mostra do Filme Etnográfico que acontece também no Rio de Janeiro de 12 a 19 de novembro.
Parabéns ao diretor Komoi Panará e aos coordenadores do projeto Mari Corrêa e Vincent Carelli!
Para conhecer mais sobre o Vídeo nas Aldeias, acesse: www.videonasaldeias.org.br
Diego Madih
Prîara Jõ. Depois do Ovo, a Guerra, mostra crianças Panará em um dia de brincadeiras na aldeia. Mas o que faz desse filme tão especial? Penso que trata-se, basicamente, do fato de que aquelas poderiam ser quaisquer crianças: de uma aldeia no Mato Grosso, da favela da Maré ou de um condomínio na Barra da Tijuca. E isso encantou o público que, na estréia da competitiva nacional no Odeon, se deliciou com as travessuras daqueles meninos que brincavam de se mostrar (e de SER) para as câmeras. O filme roubou a cena na sessão NAC 1, monopolizando as perguntas no debate e habitando quase todas as rodinhas de comentários pós-sessão.
Vincent Carelli, um dos cordenadores do Vídeo nas Aldeias, explica: "o tempo da guerra passou, mas continua vivo no imaginário das crianças". A encenação da guerra com os Txukarramãe, seus inimigos tradicionais, demonstra o importante papel da cultura oral na fixação de valores na cultura indígena através das gerações. O filme mostra um pouco dessa preparação de guerra, imaginada, fabulada, típica-ideal, uma brincadeira de vida real que, tal qual nos filmes de Jean Rouch, impulsiona pessoas para que elas sejam atores de si mesmos. Parece ser útil aqui recorrer à concepção de etnoficção para dar conta de imagens produzidas constantemente sob o signo da relação: fica clara a presença da câmera e o seu papel catalisador de acontecimentos; um devir-personagem que proporciona àquelas pessoas a oportunidade de se elaborarem objetivamente, produzindo uma realidade que não é anterior mas da qual o próprio ato da filmagem é constitutivo; uma imagem de si para o outro que aciona elementos da 'tradição', mas que não é capaz de esconder o óbvio: a cultura é viva!
A tesoura utilizada no corte de cabelo e o aviaozinho com o qual um deles brinca no final do filme nos remetem a questões cruciais sobre 'autenticidade' e que parecem incomodar aqueles que ainda acham que os índios não podem, assim como nós fazemos, assimilar transformações e inovações em sua cultura. O filme é muito feliz ao estabelecer uma outra relação ética com a alteridade e também ao trazer essa discussão através do olhar geracional, mostrando como permanência e variação compõe, complexa mas igualmente, todas as culturas humanas.
O Vídeo nas Aldeias estará com 4 filmes na programação da 13ª Mostra do Filme Etnográfico que acontece também no Rio de Janeiro de 12 a 19 de novembro.
Parabéns ao diretor Komoi Panará e aos coordenadores do projeto Mari Corrêa e Vincent Carelli!
Para conhecer mais sobre o Vídeo nas Aldeias, acesse: www.videonasaldeias.org.br
Diego Madih
Muito interessante o trabalho do projeto Video nas Aldeias.
ResponderExcluirParabéns ao Curta Cinema por trazer filmes que propõem outras discussões sobre as formas de representação da cultura indígina no cinema.
Fiquei bastante interessado em ver esse filme! Vou correr para videoteca na Caixa Cultural!
Abraços e bons filmes a todos!
Gustavo
Nossa! Me deu até vontade de ver este filme! Parece ser delicioso! Pena q estou em SP...
ResponderExcluiramei esse filme! belo texto!
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